#09/24: Não consigo parar de pesquisar a idade das pessoas no Google
Ou: a crise dos 30 bateu em minha porta e eu abri
Olá e bem-vindos a mais um episódio da Minha existência na internet (leia com a voz da Laurinha Lero).
Hoje resolvi falar sobre comparação e quis trazer três situações em que isso mais acontece na minha vida. Talvez seja me expor demais, mas acho que no fim é pra isso que estou aqui.
Na segunda-feira, estava com vontade de assistir ao Emmy porque no ano passado conheci Hacks durante a premiação e achei que poderia descobrir alguma série nova que tivesse passado batido pelo meu radar. Dito e feito, não tinha ouvido falar de Abbott Elementary e agora estou louca para assistir. A série estava indicada a várias categorias e ganhou duas: melhor atriz coadjuvante em série de comédia (a Sheryl Lee Ralph fez um discurso e tanto) e melhor roteiro em série de comédia. Sempre presto atenção especial às categorias de roteiro a assim que vi a Quinta Brunson subindo ao palco, abri o Google para pesquisar a idade dela. Estava esperançosa por mais de 35, mas ela tem 32. Imediatamente pensei que só tenho mais três anos para receber um Emmy por uma carreira de roteirista que nunca começou. Pesquisei mais sobre ela e vi que com 25 anos ela estava viralizando no Instagram com pequenos vídeos, parte de uma websérie chamada Girl Who Has Never Been on a Nice Date. Com 27, ela havia vendido duas séries pro Buzzfeed e, de lá pra cá, estrelou, dirigiu e escreveu vários outros projetos. Fiquei pensando o que eu estava fazendo aos 25.
A Editora Abril havia decidido fechar vários títulos e a ELLE estava no meio do bolo. Perdi meu emprego de editora em uma revista de moda e também muito do tesão em trabalhar na mídia, uma sensação que eu e meus amigos apelidamos de “chegamos bem a tempo de ver o circo desabar”. Me dei um tempo para descansar, mas, poucos meses depois, e felizmente para nossa situação financeira (já que a Abril entrou em recuperação judicial e falou que não ia pagar a rescisão de ninguém), fomos contratados para trabalhar em uma empresa de varejo de moda. Foi uma experiência estranha, a adaptação foi difícil e acabou durando pouco. Com 26, eu abracei a vida de freela, fiz alguns roteiros para publicidade, comecei um projeto de uma pequena agência de redes sociais com três amigos, conheci meu atual namorado e realizei um sonho, que era viajar pra Tóquio. A vida parecia esperançosa e boa. Aos 27, a ELLE voltou e eu voltei pra ela. Apesar da descrença no mercado de mídia, abracei o projeto com empolgação. O que realmente não estava nos planos era uma pandemia mundial. Me orgulho muito do que ajudei a construir no retorno da revista, mas 2020 e 2021 foram anos difíceis pra minha cabeça.
Todo mundo brinca que os aniversários que fizemos durante esse período não deveriam contar e sempre rio sem graça tentando disfarçar que deprimentemente esse é o meu maior desejo. Não quero admitir que coisas idiotas como listas estilo 30 under 30 mexem comigo, mas também não posso negar que não mexem já que penso sobre a minha idade o tempo inteiro. Queria ter 26 de novo e imaginar que ainda faltam quatro anos para eu criar ou entrar em algo extraordinário antes dos 30. Se antes me via como uma pessoa adiantada na carreira, agora parece que estou atrasada, que nada do que eu fiz conta pra seja lá o que eu quero fazer no futuro, e que tenho apenas seis meses até chegar lá. Me vejo o tempo todo buscando referências de artistas, jornalistas, roteiristas, diretoras, autoras que tenham mais de 30 para me tranquilizar ou de pessoas muito mais velhas que tenham começado a produzir depois dos 30 aquilo pelo qual elas seriam mais reconhecidas no futuro. Acho que esse é um dos motivos pelos quais comecei a olhar tanto para a Michelle Zauner. Ela tem 33, lançou o livro com 32 e foi indicada ao Grammy de Best New Artist só neste ano, depois de onze anos se dedicando à música. É claro que ela é extremamente jovem e não é o melhor exemplo de “pessoa que desafia os estereótipos da idade”, mas ver alguém vivendo as coisas com um pouco mais de calma e não virando parte de manchetes como “a mais jovem xxx a fazer yyy" já é meio reconfortante.
Admitir que sou engolida pela economia da juventude e da produtividade é uma sensação bizarra. É desprezar algo e desejar ao mesmo tempo. É como se eu só pudesse negá-la se eu já tivesse “chegado lá” (mas exato, o que é o lá?).
Eu criei uma metáfora a partir de Sonic para tentar entender por que sinto que ainda não estou apta a sair dos 20. Para quem não conhece, ele é um jogo de 1991 que tem várias zonas (uma de montanhas, uma embaixo d'água, a futurista, a do fogo etc), que eu associo às décadas da vida humana. Cada zona possui alguns níveis, que correspondem aos anos da nossa vida dentro das décadas. No jogo, você vai passando pelos níveis e aos poucos vai entendendo como determinada zona funciona, quais são os desafios dela, os objetivos e vai traçando estratégias para melhorar no próximo nível e derrotar o chefão que aparece ao fim de cada zona. Assim como, durante os meus 20 anos, eu sabia exatamente quais eram os meus desafios e objetivos: me formar na faculdade, conseguir um trabalho, me manter estável financeiramente, sair da casa da minha mãe e tentar criar coisas que me dessem orgulho e felicidade ao longo do processo.
No Sonic, bem quando você percebe que já está muito bom em uma zona, ela acaba e de repente você está em um novo universo com bichinhos diferentes tentando te matar e caminhos que você ainda não decorou, mas que podem ser muito mais divertidos que os anteriores. Isso é mais ou menos o que estou sentindo ao me aproximar dos 30. Eu sei que existem novos objetivos que podem ser traçados e eles podem ser ainda mais empolgantes e me dar mais alegria do que os dos 20, mas eu passei tempo demais com os dos 20 na cabeça, eu me vejo e me reconheço neles, e acho que estou com preguiça (aka medo) de encarar os novos. Pra piorar a situação eu não sinto que venci essa zona da melhor forma possível. Eu poderia ter coletado mais moedas, chegado ao chefão com mais saúde, ter conhecido cada cantinho dos labirintos em vez de ter escolhido os caminhos mais rápidos que por vezes quis ou precisei. Eu poderia ter me preparado melhor para a próxima zona.
O erro dessa minha metáfora é que na vida não existe uma mudança tão marcada assim dos 29 pros 30. Eu não vou acordar no dia 5 de março de 2023 em um universo completamente novo em que preciso resetar os meus sonhos e habilidades. Talvez esse meu clichê da crise dos 30 ainda esteja enraizado em algum momento em que a humanidade os encarou como a metade da vida. Mas acho que faz mais sentido olhar pros elementos que entraram na equação mais recentemente, como as redes sociais e a comparação compulsória, o surgimento dos influenciadores como algo criado quase que exclusivamente para nos fazer sentir pior e consumir mais, o surto de terem delimitado o que era um millennial e as expectativas em cima dessa geração (que está acontecendo de novo com a gen-z), a necessidade da mídia de atrair audiência a partir de manchetes que fazem prodígios parecerem algo a ser alcançado e que a meritocracia é possível.
Eu sei que tem muita gente mais velha que me enxerga como uma jovem bem-sucedida (todos somos invejosos e invejados em alguma medida) e também tenho referências de pessoas que começaram projetos incríveis em idades variadas. Se eu conseguisse pensar racionalmente o tempo inteiro, também enxergaria que tudo o que eu vivi durante os 20 só me deixaram mais capaz e segura do que eu penso, e que não há quase nada que eu fazia antes que eu não faça melhor agora (ok, dançar e enxergar sem óculos). Meu eu de 17 anos, inclusive, tinha expectativas bem mais baixas do que eu conseguiria durante os meus 20. Muitas das coisas que eu alcancei eram sonhos difusos que eu imaginava que, apenas se eu tivesse sorte, poderia começar a traçar a partir dos 35.
No fim, é muito mais sobre como eu acho que o mundo vai me receber e isso está baseado em quem detém o poder de validar as nossas experiências e qual tipo de pessoa (homens engravatados e variações) está hoje nas mesas negando projetos e oportunidades — principalmente para mulheres se elas não são a imagem que eles procuram em determinado momento, que na maior parte do tempo é: jovem. É muito cansativo ter que pensar em estratégias para compensar questões naturais como o tempo, sendo que, no limite, sempre passamos pelos níveis do videogame da vida da melhor forma que podemos.
Eu falei lá em cima que ia trazer mais duas situações em que costumo me comparar com os outros, mas gastei todos os meu caracteres falando apenas da idade. Isso é simbólico porque é a primeira vez que escrevo sobre o assunto e sinto que ainda preciso falar e escrever muito mais para entender por que, mesmo sabendo onde estão todas as falhas desse discurso, ele ainda é tão forte pra mim. Não vai ser com este texto, mas é um começo.
É isso por hoje e até semana que vem para a edição #10!! 🙌
Nathalia
Um aviso: a versão brasileira do livro da Michelle Zauner que eu citei semana passada dizendo que seria lançada em outubro coincidentemente chegou aqui em casa nessa semana pelo clube do livro da Livraria Dois Pontos. Vide o interesse que ele despertou, achei de bom tom avisar que não sei quando ele vai entrar pra venda normal, mas a Gaía Passarelli postou no Twitter que ainda dava tempo de assinar o clube e receber (confira antes se rola mesmo porque vi essa informação na quarta!).
E uma atualização: vocês lembram do texto #3 em que eu falei sobre atividades para inspiração? E que tomar banho era a minha preferida? Saiu uma matéria na National Geographic mês passado com uma explicação científica para isso e tem mesmo a ver com ela ser uma atividade que fazemos no piloto automático! Quis compartilhar aqui porque várias pessoas vieram me contar sobre as suas e é sempre bom saber de onde vem o que sentimos.
Última coisa: The Sims 4 agora é um jogo grátis! Eu não estou ganhando nada para divulgar isso, só queria tentar influenciar mais gente a entrar nesse vício comigo parar abrirmos um clube de pessoas que reclamarão em conjunto sobre pacotes de expansão superfaturados.
Adorei esse tema! Me senti (e ainda me sinto assim, mas agora com 34). No fim das contas a conclusão que cheguei é que a grama do vizinho é mais verde e não sabemos o que ele fez ou deixou de fazer pra chegar onde chegou antes dos 30... There are no free meals.