Andei pensando sobre o que eu sinto que devo escrever vs o que eu de fato gosto de ler. Explico: vejo muitas pessoas agora dizendo que escrever está difícil ou pesado e que é impossível desenvolver qualquer texto no atual cenário das coisas. Me declaro culpada duas vezes porque além de já ter dito isso em alguma newsletter, simplesmente não mandei nada semana passada ou no primeiro turno das eleições. A culpa é sim da situação caótica do país, mas acho que isso passa especialmente por como achamos que os outros vão nos ver por termos escolhido falar ou não de determinado assunto. Ou seja, eu imagino que as pessoas vão me ver como uma pessoa pior se eu não fizer um texto que mostre que estou sofrendo por causa da situação do país. Mas, na verdade, eu não passo a achar que uma pessoa é melhor quando ela me manda um texto sobre estar sofrendo por causa da situação do país.
Penso que leitores não estão muito interessados no quão difícil está para nós escrever algo. Eles, na maioria das vezes, receberão de bom grado qualquer coisa que dermos que seja a) honesta ou b) realmente interessante a ponto de ficar na cabeça por algum tempo. Não estou querendo dizer que temos que entrar na lógica do jornalismo de pensar no leitor o tempo todo em um projeto pessoal como uma newsletter, é só que vejo muitas pessoas que escrevem (aka eu mesma) angustiadas atualmente e não acho que isso seja justo. Então, o que estou querendo dizer é que, no fim, nós também somos os leitores e o que achamos que os outros vão pensar de nós na maioria das vezes não condiz com o que nós achamos de outras pessoas. É aquela velha história de sermos muito mais duros com nós mesmos do que com os outros. A crítica e o peso que colocamos na nossa produção, até em coisas tão singelas como uma newsletter cheia de gente que gosta da gente, não é o que nós colocamos na produção dos outros, especialmente na de quem gostamos, então ela não costuma ser a que os outros colocam na nossa. Isso faz sentido?
É claro que eu mesma não faço uso desse “conselho”. Outro dia cheguei à conclusão que se eu for continuar essa newsletter no ano que vem ela deveria ter seções fixas totalmente banais, como “foto de comida da semana” para que eu me obrigue a sempre ter o que falar mesmo quando eu me ver travada por achar que preciso escrever uma monografia sobre o mundo desabando. Obviamente, a realidade vai ser eu me odiando por ter criado essa seção e me achando o mais fútil dos seres humanos por estar postando foto de comida quando o mundo estiver desabando.
Esse falatório todo acabou me lembrando que em uma conversa recente com o Lucas eu finalmente percebi que, assim como ele, também não gosto de episódios especiais de séries ou convidados em newsletters/podcasts que normalmente são solo. E isso é porque eu sinto que esse recurso é usado quando esses criadores começam a achar que nós, a audiência, estamos cansados do formato de sempre ou porque eles acham que precisam *inovar* para continuar relevantes — o que é completamente diferente, por exemplo, do episódio maluco que a Laurinha Lero fez uma vez que, posso estar errada, me pareceu apenas uma vontade incontrolável que ela teve de fazer aquilo.
Quanto mais escrevo para outras pessoas lerem, mais percebo o quanto é fácil esquecer do que nos atraiu em um primeiro momento para começar a produzir algo e substituir isso por uma ideia massificada do que achamos que a audiência gostaria de consumir. Que pode ser algo meio inofensivo como “acho que meus leitores querem ver que estou com dificuldade de escrever porque estou sofrendo pelo mundo e não quero parecer alienada” até “acho que minha audiência quer que eu destrua minha saúde física e mental fazendo desafios cada vez mais surreais no YouTube”.
Tem uma passagem do livro Realismo capitalista, em que o autor Mark Fisher descreve instituições do governo, ou mesmo empresas, que às vezes começam a seguir certas diretrizes mesmo que elas não estejam no estatuto desses lugares. Ele relata que pessoas que param para questionar o motivo de isso estar sendo feito não vão conseguir traçar quando ou por que essas diretrizes foram geradas, é como se elas tivessem apenas surgido em determinado momento. O mais curioso é que essas diretrizes não apenas começam a ser fielmente levadas a sério, como passam a ser defendidas e gozar de uma “estranha autonomia”. Acho que isso tem a ver com o que estou tentando elaborar aqui: o quanto de repente passamos a fazer coisas sem saber exatamente o porquê, mas que no fim estão relacionadas a uma autoridade do outro sobre nós, e esse outro comumente serve ao medo (de ficar irrelevante, de ser visto como alienado, de desafiar a ordem capitalista do mundo).
Existem experiências originais?
Mudando de assunto mas não muito, reler algumas partes de Realismo capitalista tem feito eu sentir que todas as minhas experiências e sentimentos já foram previstos e estudados e escritos por alguém. Isso é reconfortante e angustiante ao mesmo tempo. O que é só angustiante é pensar também que conclusões que poderiam me ajudar a literalmente mudar de vida ou conseguir sair de alguns lugares que me vejo presa podem estar dando sopa na estante da sala, tão perto e tão longe, em livros que comprei e não li. Imagino que eles ficam rindo da minha cara enquanto me observam passar por eles todos os dias e ignorá-los.
Preguiça mental
Todos nós temos nossos guilty pleasures e um dos meus é entrar no perfil de blogueiras das antigas pra ver como elas se comportam em eventos políticos de forma caricata. No dia seguinte à eleição, encontrei uma revoltadíssima falando que o mundo da moda e o da arte como um todo era contaminado pelo “marxismo cultural” e pela “estratégia de Gramsci”. Fui buscar de onde ela poderia ter tirado isso e caí em vídeos do Olavo de Carvalho (nunca pensei que escreveria esse nome na minha newsletter). Definitivamente não vou me estender nesse assunto, só queria deixar por aqui este vídeo do Christian Dunker que apareceu junto na pesquisa. Achei que ele ajuda a entender melhor da onde vem essas alucinações da extrema direita que faz seres humanos se agarrarem a caminhões em nome de intervenção militar.
Basicamente, ele explica que o marxismo cultural é uma invenção, uma descrição desleal de Gramsci, em uma tentativa de tornar uniforme algo que não é. Que o nosso cenário atual é complexo, mas que a sociedade brasileira tem uma tendência histórica a “simplificar aquilo que requer trabalho” a fim de estabelecer inimigos, a forma mais simples de lidar com a complexidade de, por exemplo, um aumento positivo de diversidade. Ou seja, uma preguiça cognitiva de alguns frente a uma sociedade que, na última década, passou a ter mobilidade social e novos atores debatendo no espaço digital.
Agora algumas atualizações
Como escrevi esta newsletter na sexta-feira, neste momento devo estar me preparando para o segundo dia de Primavera Sound, que eu espero que esteja sendo divertido apesar do frio previsto provavelmente ter acabado com a ideia de dois dias de música em um clima ameno de primavera. Na semana retrasada falei que estava tão empolgada com o Primavera que até poderia assistir um pedaço do show do Arctic Monkeys. A empolgação passou e queria informar que é mais provável que eu não estive fazendo isso.
Finalmente consegui assistir a série The Bear. Vinha lendo sobre ela em vários lugares e desde a primeira vez que ouvi falar, pela MargeM, senti que precisava assistir. Não sei se foram as descrições empolgadas dizendo que era a melhor coisa produzida neste ano ou que o ritmo era frenético e deixava todo mundo ansioso — não que eu quisesse ficar ansiosa, só estava curiosa para sair um pouco do estilo das minhas séries preferidas nas quais nunca acontece nada. E sim, eu gostei! Mas sinceramente achei que tá bem mais pra algo gostosinho de maratonar em um fim de semana, o que foi surpreendente.
Estou muito feliz com o ouro da Rebeca Andrade no mundial!! Eu amo ginástica olímpica e sempre que vejo uma apresentação inevitavelmente passo o resto do dia no YouTube assistindo outras. Caso você queira entrar nessa comigo, no meu Instagram tem um destaque com cinco das minhas preferidas.
Na quinta passada fui na festa de Halloween da ELLE e me fantasiei de Lydia Deetz. Não fui modesta quando recebi elogios pela fantasia e disse logo um “obrigada, deu mesmo trabalho”, rs. Foi um longo processo de busca pela melhor saia de tule vermelha da internet que chegasse no prazo de dois dias e não fugisse do meu orçamento. Eu ainda costurei a parte de cima da blusa e o véu e descolei uma franjinha fake. Acho que nunca me dediquei tanto a um look e me diverti em todo o processo. Estou pronta para virar Lydia de novo ano que vem.
É isso por hoje, (espero) até semana que vem,
Nathalia
Sou nova aqui e nova no substack e me identifiquei. Faz total sentido esse seu texto: "A crítica e o peso que colocamos na nossa produção, até em coisas tão singelas como uma newsletter cheia de gente que gosta da gente, não é o que nós colocamos na produção dos outros". Estamos numa corrida de algoritmos e likes e nos perdemos no meio de tudo isso. Acho que pausar e relembrar o que nos trouxe até aqui é sempre saudável para nosso processo e paixão pela escrita 🖤
Acabei de chegar na sua news, e amei!!! Curti muito seu texto, seguirei pra ler mais :)